O clube carioca Botafogo começou essa movimentação em março, vendendo 90% das ações por R$ 400 milhões. No mês seguinte, o Cruzeiro também vendeu 90% das ações do clube pelo mesmo valor. Por fim, o Vasco conseguiu uma captação maior vendendo 70% das ações por R$ 700 milhões.
Mas de onde surgiu esse interesse dos clubes em captar investimento? Historicamente, os clubes de futebol são associações sem fins lucrativos. Nesse sentido, possuem isenção no pagamento de imposto de renda, contribuição social sobre o lucro líquido, COFINS, e pagam alíquota reduzida de PIS e INSS. Apesar dos benefícios tributários, a única forma legal de captação de receitas não operacionais é com patrocínio. Por conta de limitações, há alguns anos os clubes preferem virar empresa, tornando-se sociedade anônima, visto que pagam mais impostos, mas conseguem ter acesso a diversas formas de financiamento.
Sabendo desta necessidade dos clubes, em 2021 foi criada a lei nº 14.193, a qual institui a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico.
Na prática, a lei criada em 2021 foi um meio termo entre o regime de associação sem fins lucrativos e a sociedade anônima. Os times que alterarem a constituição para SAF possuem regime de tributação especial, podem ampliar a forma de captação de investimentos, permite a requisição de recuperação judicial, falência ou organizar dívidas na justiça com prazo de até dez anos, podem captar recursos pela Lei de Incentivo ao Esporte, entre outros benefícios.
Apesar da regulamentação específica ser novidade no Brasil, na primeira divisão das principais ligas europeias 92% dos grandes clubes são empresas e possuem grandes investidores. Os times ingleses, franceses e italianos da primeira e segunda divisão são todos administrados como empresas. Na Alemanha, 14% dos clubes são associações e na Espanha esse número é de apenas 10%. Apesar do percentual de times que continuam registrados como associação esportiva sem fins lucrativos ser pequeno, grandes times como Barcelona e Real Madrid possuem numerosos quadros de sócios que pagam mensalidades e elegem os dirigentes, funcionamento atual da maioria dos clubes brasileiros.
A predominância dos clubes-empresa impulsionou o aumento de receita nas ligas europeias. O campeonato inglês e o alemão foram os que tiveram aumento mais significativo, crescendo 7,5 vezes e 6,4 vezes em 10 anos, respectivamente. As ligas francesa e espanhola cresceram 5,5 vezes e o campeonato italiano foi o que obteve um menor crescimento, mas que ainda assim é bem significativo, de 3,5 vezes. O crescimento mostra que a regulamentação e a gestão profissional dos clubes proporcionam retorno aos investidores.
Tendo em vista o crescimento da receita dos times, como é possível investir em clubes de futebol? O investimento pode ser feito via:
- Investidores tradicionais – fundos de investimento ou pessoas física;
- Mecenas locais – pessoas físicas ou empresas com laços local, com o clube e sua história;
- Branding – empresas que buscam visibilidade para fortalecer e expandir suas marcas;
- Cross Ownership – um grupo de times espalhados estrategicamente em diferentes países para fortalecer um único clube do grupo;
- GeoPolítico – investidores com motivações políticas gerando negócios e network com entidades públicas;
- Aficionados – torcedores se unem como acionistas minoritários.
As expectativas do mercado incipiente no Brasil é que cada vez mais clubes virem SAFs para aproveitar os benefícios e seguir a tendência do velho continente. Para as empresas, é uma oportunidade de investir e aumentar o reconhecimento da marca.
Fato é que esse novo modelo de negócios teve um start com os clubes endividados, mas a rentabilidade e oportunidades, que ainda podem ser exploradas, são atrativas para o investidor. As formas para investir em um clube são diversas, e esse novo passo deve ser dado com muita cautela, principalmente com alinhamento de expectativas, afinal tornar um clube SAF não é garantia de que o time levantará a taça ao final do campeonato e com uma geração de caixa de imediata, uma vez que essa receita vem em grande maioria dos casos na venda de jogadores e de ingressos. Também devemos considerar o modelo de negócio, com investidores tendo voz ativa nas tomadas de decisões e possivelmente interferindo em contratações, gestão e patrocínios.
* Este artigo, escrito pela Consultora de M&A da Valore Brasil, Carolina Trinca, e pelo sócio e diretor de M&A, Diego Queirantes, foi publicado na Revista Capital Econômico.